O budismo não se enquadra na definição tradicional de religião, ou seja, em: " 'religar (-se)' a seres sobrenaturais, ou adorá-los, ou a eles submeter-se".
A etimologia do termo religião tem sido distorcida, pelo menos desde a Idade Média. A tradução do termo latino religio, onis não corresponde necessariamente a "religar (-se)" a algo, conceito amplamente difundido associado a tal palavra.
A distorção e manipulação do sentido do termo religião pelas elites religiosas é possivelmente a maior causa de insegurança, medo e violência interna dos seres humanos; a compreensão do seu sentido verdadeiro levaria os seres humanos a uma mudança de atitude diante da vida, tanto consigo mesmos quanto em suas relações interpessoais e sociais. Voltaremos ao assunto em outra oportunidade e explicaremos esse ponto de vista mais detalhadamente.
A associação de "budismo" a "religião" é inapropriada, de vez que esse ensinamento não se enquadra no conceito tradicional associado a essa palavra. Isso visto, podemos apreciar o legado do buda sob o correto ponto de vista.
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Único retrato conhecido de Sakyamuni |
Sakyamuni O Buda nos deixou esse entendimento (conhecido como dharma) como legado:
1) A verdade do sofrimento
2) A Verdade da Causa do Sofrimento
3) A Verdade da Extinção do Sofrimento
4) A Verdade do Caminho dos Oito Aspectos (óctuplo) para a Extinção do Sofrimento
O Caminho Óctuplo para a Extinção do Sofrimento:
1 – Entendimento Correto: implica o conhecimento das Quatro Nobres Verdades
2 – Pensamento Correto
3 – Linguagem Correta: falar de uma forma clara e, sobretudo, não fazer uso de uma linguagem agressiva e maliciosa
4 – Ação Correta
5 – Vida Correta
6 – Esforço Correto
7 – Atenção Correta: implica a auto-análise constante dos pensamentos e ações
8 – Concentração Correta
Eis parte da narração, alegorizada, do "primeiro discurso" do Buda Sakyamuni:
[...]"Enquanto, oh monges, o conhecimento e a visão a respeito dessas Quatro Nobres Verdades, de acordo com a realidade, sob seus três modos e doze aspectos, não foi totalmente puro em mim, não admiti ao mundo, com suas divindades, Maras e Brahmas, e à humanidade, com seus ascetas, brâmanes e homens, que havia realizado corretamente, por mim mesmo, a incomparável iluminação."
"Quando, oh monges, o conhecimento e a visão a respeito dessas Quatro Nobres Verdades, de acordo com a realidade, sob seus três modos e doze aspectos, foi totalmente puro em mim, então admiti ao mundo, com suas divindades, Maras e Brahmas, e à humanidade, com seus ascetas, brâmanes e homens, que havia alcançado corretamente, por mim mesmo, a incomparável iluminação. E surgiu em mim o conhecimento e a visão. ‘Irreversível é a liberação da minha mente. Este é o meu último nascimento. Não há nova existência.'"
"Isso disse o Sublime. Os cinco monges se regozijaram com as palavras do Sublime."![]() |
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"Durante a exposição do discurso, surgiu no Venerável Kondañña a pura e imaculada visão: ‘Tudo aquilo que está sujeito a um surgir, está sujeito a um cessar.’""Quando o Sublime expôs este discurso, as divindades terrestres exclamaram: ‘Essa excelente Dhammacakka foi colocada em movimento, pelo Sublime, próximo a Benares, em Isipatana, no Parque dos Cervos, e não pode ser detida por nenhum asceta, brâmane, divindade, Mara, Brahma, ou nenhum ser no universo.’"
[...]"E, nesse segundo, nesse momento, nesse instante, essa exclamação estendeu-se até o mundo dos Brahmas. E os dez mil universos estremeceram, sacudiram-se e tremeram violentamente. Uma esplêndida e ilimitada luminosidade, ultrapassando a refulgência das divindades, manifestou-se no mundo."
Sakyamuni O Buda alcançou o ápice do entendimento sobre o mundo através do trabalho árduo e da dedicação, livre de vacilações. Ponto importante a ser destacado é que o Buda frisou que atingir esse conhecimento está ao alcance de todos, sem distinção.
Seu Ensinamento – e sua ação –, originalmente uma doutrina filosófica (de amor ao conhecimento), lentamente foi se transformando na religião budista, que posteriormente derivou em várias vertentes – Hinayana, Mahayana, Vajrayana e sub-vertentes.
Lincoln Sobral
Link curto personalizado: http://is.gd/legabud
Rascunho para a atualização dessa postagem:
ResponderExcluirSão axiomas tão simples, mas tão simples, assim como o caminho óctuplo, que muitas vezes desperto e uma vez mais me espanto com o desconhecimento e, às vezes, a manipulação ou a ocultação dessas verdades sob os complicados rótulos de "religião" ou "ritual".
Talvez a simplicidade da argumentação do Buda seja inversamente proporcional a sua aceitação ou tomada de conhecimento dela pelo ser humano. E talvez isso se deva a que simplicidade radical dessa argumentação coloque o ser humano diante da possibilidade de decidir, isso entendido, (tentar) colocar o que é dito nela em prática. Se observarmos o mundo, veremos que isso parece ser realmente difícil; senão, o mundo estaria em outra situação.
Em "O Evangelho do Buda" (séc. XIX) Paul Carus cita uma passagem de um texto original em Pali em que o Buda diz que "no quinto período de quinhentos anos depois da minha partida, 'quando o meu pensamento estiver extinto', essas verdades deverão ser novamente divulgadas (a roda do dharma deverá novamente ser girada)" – citação não textual. Ou seja, ele sabia o que ocorreria com sua doutrina, em que período de tempo isso ocorreria, e o que deveria ser feito para restabelecer o seu sentido original. Isso pode ser avaliado sob o aspecto lógico, mas também sob o aspecto metafísico, porque, de fato, ele previu o futuro.
Se a argumentação original está sendo difícil de ser entendida, sem falar da dificuldade de ser colocada em prática, o que se pode dizer da capacidade que o Buda teve de fazer uma previsão sobre o que aconteceria com tal argumentação 2.500 anos depois?? Francamente, penso que essa capacidade seja 'espantosa'.